Gestão: Especialistas apontam medidas para evitar novas tragédias como Petrópolis

Desastres como o ocorrido em Petrópolis reforçam a importância de políticas habitacionais no Brasil que retirem de forma permanente a população de áreas de risco. Ao mesmo tempo, será preciso investir em produzir e comunicar bem os alertas para que em situações de urgência, quem vive em áreas de risco tenha tempo de deixar suas casas. Especialistas afirmam ainda que medidas como a recomposição vegetal de encostas e margens dos rios também contribuem para tornar as cidades menos suscetíveis a desastres. Os deslizamentos em Petrópolis, que deixaram dezenas de mortos, ocorreram após uma chuva intensa e concentrada. Temporais como este devem se tornar mais frequentes com o aquecimento global, dizem cientistas. Mudanças na temperatura do planeta alteram o regime de chuvas e podem provocar tempestades fortes, que atingem determinadas áreas em poucas horas. “O volume extraordinário de chuva assusta, mas isso não isenta o poder público de um trabalho de prevenção”, diz Pedro Côrtes, geólogo e professor da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, são necessárias políticas de habitação para que populações em áreas de risco sejam remanejadas de forma permanente. Fique por dentro das principais notícias do Brasil e do mundo. Assine a EXAME.  Isso pode ocorrer de diferentes maneiras: pagamento de auxílio-aluguel, compra de imóveis para realocar a população das áreas de risco e até a criação de novos bairros em regiões seguras são alternativas. Em São Paulo, por exemplo, uma das possibilidades é o uso de apartamentos vazios na região central, afirma Côrtes. Estratégia semelhante foi adotada pela prefeitura de Maricá (RJ) que anunciou a compra de imóveis desocupados para alocar quem mora em regiões vulneráveis. O remanejamento, no entanto, enfrenta barreiras econômicas. “Com os interesses imobiliários em uma cidade, é muito difícil imaginar que vamos encontrar áreas seguras para ter moradias para todo mundo”, pondera Victor Marchezini, sociólogo de desastres e pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Marchezini cita soluções alternativas que podem minimizar os riscos, como a que foi adotada para encostas no Recife: a prefeitura entra com material de construção e apoio técnico e os moradores com mão de obra para fazer reparos contra deslizamentos. Nem sempre as obras, porém, dão conta de desastres causados pelo grande volume de chuvas. ALERTA Se há população em áreas vulneráveis, então é preciso aprimorar os sistemas de alertas. Hoje, o Cemaden – criado após a tragédia na Região Serrana em 2011, que deixou 918 mortos – faz um monitoramento de risco de deslizamentos de terra e enxurradas a partir de informações sobre o volume de chuvas. Essas informações são repassadas às Defesas Civis locais e precisam chegar até a ponta: a população. Ocorre, porém, que há gargalos no meio do caminho. Nem todos os municípios têm Defesas Civis e, em alguns locais que têm, falta o básico para o trabalho, como computadores. Além disso, mesmo que a região conte com equipes estruturadas, a existência do alerta nem sempre significa que a mensagem vai chegar aos moradores, evitando as mortes. Segundo Marchezini, não basta que a população receba alertas de desastre: é preciso saber para onde ir em caso de risco e qual o caminho até o abrigo. Isso tem de ser treinado de forma preventiva, antes que o temporal aconteça. Além de sirenes – como havia em Petrópolis -, estratégias para retirar momentaneamente as pessoas de suas casas diante de riscos de deslizamentos podem incluir até ligações e envio de mensagens nos celulares, diz Matheus Martins, especialista em drenagem urbana e professor da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Entre cientistas e profissionais responsáveis por esse monitoramento climático, o trabalho agora ficou mais complicado. “Temos, em função de mudanças climáticas, maior dificuldade de fazer previsões meteorológicas”, diz Côrtes. “Mas hoje também temos ferramentas mais apuradas.” VERDE Enquanto os mecanismos de alerta se estruturam, políticas ambientais têm de ser colocadas em prática para reduzir os impactos do clima. Incentivos para quem mantém áreas verdes em casa e faz captação da água de chuva são algumas das ferramentas para transformar centros urbanos no que cientistas chamam de “cidades esponjas” – capazes de absorver mais água. Gestores também devem investir em recuperar a forma mais natural do rio – as canalizações podem tornar as enchentes mais frequentes – e na ocupação vegetal das bacias hidrográficas, afirma Martins. Até obras de saneamento são importantes para evitar deslizamentos de terra, uma vez que parte do problema de erosão pode estar no lançamento de esgoto nas encostas. Da Redação Prefeitos & Governantes

Concessão do saneamento pode prejudicar municípios mineiros

Um dos grandes desafios do Brasil é fazer com que a água tratada chegue a 99% da população e que pelo menos 90% dos habitantes tenham esgoto tratado até 2033, em cumprimento à Lei 14.026/2020, chamada de o novo marco regulatório do saneamento. Além de estabelecer tal meta, a legislação mudou a natureza da contratação dos serviços nos municípios, que deixou de ser por contratos de programas e passou ao modelo de concessão à iniciativa privada, via licitação, estimulando a concorrência, pressupondo-se melhoria no serviço prestado. Um ano e cinco meses após a promulgação da legislação, em Minas Gerais, Estado com grande diversidade regional, ainda pairam dúvidas e incertezas sobre como tudo vai acontecer e se realmente vai dar certo nos 853 municípios. Isso porque 215 cidades em Minas não têm sequer um plano de saneamento, segundo a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad). Além disso, em muitas localidades, onde o acesso à água e ao esgoto tratados ainda está em percentuais bem abaixo da média nacional, a contratação do serviço pelo município, no modelo de concessão, pode significar, segundo especialistas, encarecimento das tarifas ao cidadão. Pode, ainda, ocorrer desinteresse de empresas em ofertar o serviço em lugares onde os desafios sejam grandes, inviabilizando a prestação e provocando um cenário de exclusão. Diante disso, a criação de unidades regionais de municípios para a viabilidade econômica dos contratos de concessão é uma saída prevista na nova legislação e que fica a cargo do Estado. Um projeto de lei que prevê a criação de 22 unidades foi enviado pelo Governo de Minas à Assembleia Legislativa. No entanto, as cidades não são obrigadas a aderir ao bloco regionalizado. Já a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), que atende 75% das cidades em Minas, embora possa perder em renovação de contratos com o novo modelo, enxerga boas oportunidades com a mudança nas contratações. Nesse contexto, a sonhada universalização do acesso à água e esgoto tratados no Estado é tema desta semana do #JuntosPorMinas. O projeto do DIÁRIO DO COMÉRCIO aborda desafios e gargalos que podem ser transformados em oportunidades de crescimento econômico e inclusão social em Minas Gerais. Viabilidade financeira é fundamental A grande justificativa dos congressistas brasileiros para a aprovação da Lei 14.026/2020 que alterou o código do saneamento (Lei 11.445/2007) foi de que a concessão dos serviços de água e esgoto à iniciativa privada irá estimular a universalização do acesso e a qualidade dos serviços. Deputados e senadores a favor diziam na época, como um mantra, que seriam necessários R$ 700 bilhões em investimentos para que os serviços chegassem a 100% da população, algo longe da realidade dos cofres públicos. Para a presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Siewert Pretto, as mudanças no marco do saneamento representam de fato o melhor caminho. “Antes no Brasil, cada região, Estado ou município tinha uma meta. Um grande ganho com a legislação foi o estabelecimento de metas, uma uniformização nesse sentido. O grande desafio agora é ter recursos para que isso aconteça. As companhias hoje atuantes terão de comprovar capacidade econômico-financeira e operacional para se chegar a essas metas”, observou. A própria Companhia Saneamento de Minas Gerais (Copasa), que detém contratos de programas em 640 dos 853 municípios mineiros, também vê a nova legislação de forma otimista, embora a renovação de contratos de programas da Copasa com as cidades fique impedida. Ou seja, a companhia terá de participar de uma licitação e concorrer com outras empresas para prestar o serviço. “É uma grande oportunidade de transformação e o momento de a companhia se preparar de forma mais severa para o ambiente concorrencial. O novo marco pretende colocar todos os operadores do saneamento no mesmo nível de disputa”, ressaltou a diretora de Relacionamento e Mercado da Copasa, Cristiane Schwanka. Segundo ela, hoje, a tarifa cobrada pela companhia leva em conta o modelo de subsídio cruzado, ou seja, cidades onde o serviço é mais sustentável economicamente mantêm o serviço em municípios onde a realidade é outra. Isso uniformiza a tarifa da companhia e viabiliza o acesso a toda a população. “Com o novo marco, a cidade poderá se associar a um consórcio ou a um grupo de municípios. Pode, inclusive, contratar mais de um operador. Enfim, são muitas possibilidades. Mas é preciso sempre levar em conta a sustentabilidade financeira da prestação de serviço”, frisou. Esse é exatamente um dos pontos de preocupação para o secretário-executivo do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas), Edson Aparecido da Silva. “Quando passa a se relacionar com o mercado, o interesse de uma empresa é a sustentabilidade financeira para que seus acionistas tenham lucro. E a universalização do saneamento é uma questão social, de saúde pública, incompatível com o lucro. Experiências recentes no Brasil e mundo afora já nos mostram que as empresas vão querer atuar onde já há infraestrutura, como, por exemplo, BH e região metropolitana, onde não precisará de muito investimento. Em locais mais desafiadores, como o Norte de Minas, por exemplo, certamente haverá pouco interesse”. Projeto de Lei Para viabilizar economicamente a prestação de serviços pela iniciativa privada em locais mais desafiadores, a criação de blocos regionais é um dos mecanismos previstos no novo marco legal. Dessa forma, cidades onde há maior viabilidade técnica e financeira se agrupariam com aquelas onde há menor viabilidade para a contratação. A criação desses blocos fica a cargo do Estado. Um projeto de lei enviado pelo Governo de Minas à Assembleia Legislativa em julho do ano passado (PL 2884/2021), cria 22 unidades regionais de abastecimento de água e esgoto (Uraes) no Estado e prevê também unidades de gestão de resíduos sólidos. A proposta está parada na Comissão de Constituição e Justiça. O objetivo, conforme o texto, “é propiciar o ganho de escala e a viabilidade técnica e econômica, para a universalização dos serviços”. Porém,  a adesão dos municípios é facultativa. Segundo a Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (Arsae), após aprovadas e definidas as Uraes, o processo e licitação

Dinheiro esquecido nos bancos pode ir para os cofres municipais, diz advogado

Voltou a funcionar desde esta segunda-feira (14/2) a consulta para saber se brasileiros têm dinheiro esquecido em bancos pelo SVR (Sistema de Valores a Receber), ferramenta lançada pelo Banco Central. Para verificar se há dinheiro esquecido em contas, é preciso acessar o novo site, inserir o CPF ou CNPJ e a data de nascimento. Caso tenha valores a retirar, o sistema vai indicar uma data para consultar e sacar os valores que possui. Os brasileiros que tiverem valores a receber devem ficar atentos ao novo período de consulta. Para quem nasceu antes de 1968, o resgate será de 7 a 11 de março de 2022; entre 1968 a 198, as datas estipuladas foram 14 a 18 de março, e depois de 1983, o Banco Central estipulou de 21 a 25 de março. Há também horários definidos em dois períodos. De 4h às 14h e das 14h à 0h. Caio Pires, advogado e professor na área do Direito Privado, afirma que existem questões importantes, apesar de pouco exploradas, que merecem atenção sobre o dinheiro esquecido. “Quando se encontra um bem móvel — como é o dinheiro “perdido” , ou seja, sem utilização e até sem conhecimento de seu titular a respeito de ter esses valores à disposição —, ocorre a chamada descoberta, regulada pelos artigos 1.233 e 1.237 do Código Civil.” “É interessante perceber que o BC atua aqui como verdadeiro descobridor, fazendo o possível para que o titular da coisa a encontre. Neste caso, segundo o Código Civil, haveria, inclusive, o direito à recompensa, de até 5% do valor da coisa, por permitir a restituição da coisa achada (artigo 1.234, CC). Porém, tratando-se o Banco Central de instituição que visa realizar o interesse público e a regulação econômica, é importante ponderar se merece o mesmo tratamento previsto no Código Civil para pessoas físicas e jurídicas não ligadas a tais funções”, afirma o advogado. “O último alerta importante refere-se ao destino dos valores não resgatados. Após 60 dias da divulgação sem que sejam resgatados por seus titulares, entende-se que o município onde a conta bancária estiver localizada deve adquirir esse numerário. Se houver, por exemplo, uma soma R$ 2 milhões não resgatada por seus titulares, advindas de contas bancárias localizadas na cidade de São Paulo, seria obrigação dos bancos transferir o valor para os cofres da capital paulista, e não para outras instituições públicas. A regra é lei federal prevista no artigo 1.237, CC, e não pode ser modificada por portarias, regulamentos, dentre outras normas de hierarquia inferior.” Da Redação Prefeitos & Governantes

STF mantém suspensos bloqueios de créditos de ICMS a municípios goianos

O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, determinou a suspensão de todas as execuções e cumprimentos de decisões judiciais que determinaram o ressarcimento de valores aos municípios goianos em decorrência de supostos prejuízos causados por programas de incentivos financeiro-fiscais estaduais, como o Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás (Fomentar), substituído pelo Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás (Produzir). O ministro determinou, ainda, que o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás se abstenha de bloquear e liberar valores nas contas administradas pelo Estado de Goiás para atender pretensão de imediato pagamento dos municípios. Na ADPF, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, questiona decisões de primeira e de segunda instância da Justiça estadual que determinaram bloqueio e liberação de valores das contas do estado para o pagamento de créditos de ICMS recolhido nos programas aos municípios. Nessas ações, os municípios alegam que cabe ao estado o repasse de 25% incidentes sobre o ICMS apurado pelo contribuinte, e não sobre o montante recolhido. O governador argumenta que a dívida para com os municípios foi um dos principais motivos para o ingresso de Goiás no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). Segundo ele, as decisões da Justiça goiana comprometem a realização de despesas públicas que estavam programadas e contavam com respaldo orçamentário, afetando a manutenção de serviços essenciais. Em janeiro, no recesso judiciário, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, deferiu liminar e suspendeu as decisões por 45 dias, para aguardar a atuação do relator no caso. ControvérsiaAo analisar o pedido, o relator considerou indispensável, no momento, a extensão dos efeitos da cautelar deferida pelo presidente. Ele levou em consideração tanto o volume de recursos públicos envolvido no caso (R$ 5,4 bilhões) quanto a existência de controvérsia no STF acerca da matéria. O Tribunal afetou à sistemática da repercussão geral o Recurso Extraordinário (RE) 1.288.634 (Tema 1.172) e vai decidir se o cálculo da cota-parte dos municípios na repartição das receitas tributárias deve levar em conta o valor efetivamente arrecadado ou o que poderia ter sido arrecadado caso o estado não tivesse instituído incentivos fiscais. Outro ponto destacado pelo ministro André Mendonça é a dificuldade de recuperação dos valores bloqueados e posteriormente repassados às municipalidades. A concessão da tutela cautelar visa evitar a tramitação de execuções ou cumprimentos de sentença antes de o STF pacificar a controvérsia. Com informações da assessoria do STF. ADPF 928 Da Redação Prefeitos & Governantes Foto: Conjur

Proposta regulamenta atividades das associações de municípios

O Projeto de Lei 4576/21, do Senado, regulamenta a criação e o funcionamento das associações de municípios, destinadas a representar e defender os interesses políticos, econômicos, educacionais, culturais e sociais das cidades. O texto está agora em análise na Câmara dos Deputados. “Essas entidades já existem e já trabalham, e o objetivo é colocar dentro de um normativo adequado a regularidade das ações, o limite das competências, a natureza jurídica, a capacidade de licitar e o vínculo com os funcionários”, explicou o autor da proposta, o ex-senador Antonio Anastasia (MG). Área de atuaçãoConforme o texto, as associações de municípios poderão se constituir como entidades de direito público ou privado e ter abrangência nacional, estadual ou microrregional. Será permitida a filiação de entes que não sejam municípios, o que poderá permitir o ingresso dos estados e do Distrito Federal. As associações serão sustentadas financeiramente pelos integrantes, por meio de dotações orçamentárias, e prestarão contas a uma assembleia geral. A filiação ou a desfiliação de um integrante ocorrerá por meio de ato discricionário do prefeito ou governador, sem a necessidade de autorização em lei específica. Ainda segundo a proposta, as associações de municípios poderão representar os integrantes perante instâncias públicas extrajudiciais e judiciais; acompanhar e desenvolver projetos relacionados a questões de competência local; e, ainda, manifestar-se em processos legislativos de interesse dos municípios. Contratação de pessoalAs associações de municípios deverão realizar seleção de pessoal e contratação de bens e serviços mediante procedimentos próprios, respeitados os princípios da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade e da eficiência. Será proibida a cessão de servidores dos municípios às associações que integram. VedaçõesDe acordo com o projeto do Senado, não poderá ser feita a gestão associada de serviços públicos de interesse comum, assim como a realização de atividades próprias de cada associado. Será vedada às associações a atuação partidária e religiosa, bem como a remuneração aos dirigentes, ressalvadas as indenizações. TramitaçãoO projeto será analisado pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. Depois seguirá para o Plenário. Saiba mais sobre a tramitação de projetos de lei Da Redação Prefeitos & Governantes

TSE vai decidir sobre sigilo de doação eleitoral, e entidades temem retrocesso

Entidades que defendem a transparência das informações públicas estão preocupadas com a possibilidade de o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) impor sigilo sobre dados de doadores eleitorais e de pessoas que prestem serviços para campanhas políticas. A discussão se dá num processo em que o TSE analisa a aplicação da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) no contexto eleitoral.A corte criou um grupo de trabalho e tem colhido sugestões sobre o tema. Ainda não há prazo para julgamento em plenário. A falta de decisão sobre o assunto ligou o alerta de organizações que integram o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas.Na última quarta-feira (16), elas tiveram uma audiência com o ministro Edson Fachin, atual relator do caso e presidente do TSE a partir do dia 22. No encontro, relataram o receio de que uma determinada leitura da LGPD leve a corte a privilegiar a proteção dos dados pessoais em detrimento da transparência, subvertendo o princípio da Lei de Acesso à Informação (LAI) segundo o qual a publicidade deve ser a regra, e o sigilo, a exceção. Na avaliação dessas organizações, seria um retrocesso. O advogado Marcelo Issa, da Transparência Partidária, defende que os dados sobre doadores são de interesse público. “É fundamental para um voto consciente o eleitor ter conhecimento de quem são os financiadores de uma candidatura”, afirma. Além disso, diz ele, a divulgação de dados que permitam identificar doadores e prestadores de serviços ajuda no controle social exercido pela imprensa e pela sociedade civil. “É um papel auxiliar em relação aos órgãos oficiais no que se refere à pesquisa de indícios de irregularidades no financiamento eleitoral, por exemplo. Indícios esses que nem sempre viriam à tona se não fosse esse trabalho”, diz Issa. Como a LGPD não tem nenhuma regra específica sobre doações eleitorais, cabe ao TSE arbitrar o conflito entre o princípio da privacidade e o do interesse público. Por meio da assessoria de imprensa, o tribunal afirmou que a transparência dos dados de interesse público ou coletivo é regulada pela LAI e que a LGPD trata de dados pessoais. “Cada uma tem um âmbito de atuação. (…) O TSE entende que a LAI e a LGPD devem ser interpretadas em conjunto, de forma sistemática e à luz da Constituição.” Enquanto essa interpretação não chega, continua valendo a publicidade das últimas eleições. Juliana Sakai, da Transparência Brasil, lembra que o STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu que é legal divulgar salários de servidores na internet e que isso poderia ser usado para balizar o debate sobre dados de doadores. “Se por acaso os dados não forem mais abertos, a gente não vai mais conseguir rastrear como os doadores estão se movimentando, para onde está indo o dinheiro de quem. Não vai ser possível enxergar as autodoações. Não vai dar para saber se a pessoa está respeitando as restrições legais”, diz ela. A Lei Eleitoral fixa um limite de 10% dos rendimentos brutos do doador no ano anterior ao do pleito. A mesma lei determina que os partidos, na prestação de contas, divulguem nome e CPF dos colaboradores e os respectivos valores repassados. Em contrapartida, a LGPD caracteriza como sensíveis os dados relativos a filiação partidária. Por esse motivo, no ano passado o TSE decidiu retirar do ar as bases de dados com essas informações. Na época, Simone Trento, juíza auxiliar da presidência do TSE, afirmou que muitas pessoas relataram ao tribunal que tinham perdido oportunidades de emprego por serem filiadas a um partido. Sakai e Issa consideram a medida um equívoco, por suprimir o acesso a informações relevantes para análises sobre os partidos políticos, e defendem que ela seja revista. A advogada Ana Tereza Basilio, presidente do Ibradados (Instituto Brasileiro de Estudos em Proteção de Dados), não vê espaço para essa revisão. De acordo com ela, os dados sobre filiação partidária só podem ser disponibilizados com a devida autorização do detentor. Além disso, Basilio, que foi juíza do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, afirma que a divulgação indiscriminada dos patrocinadores de campanhas acabaria por revelar dados que a LGPD classifica como sensíveis. Até por isso, ela diz: “Creio que haverá uma mudança procedimental no tratamento dos dados, mas sem deixar de atender ao princípio da transparência”. Destacando que a publicidade dos financiamentos de campanhas é um avanço democrático, Basilio diz que o sigilo não necessariamente compromete a transparência. “O desafio agora é encontrar um ponto de equilíbrio entre a preservação dos dados sensíveis das pessoas e a transparência nas eleições”, diz. “É certo que as estruturas necessárias para a fiscalização do processo eleitoral, como tribunais eleitorais, continuarão tendo acesso aos dados e fiscalizando o processo de financiamento”, afirma Basilio. Gregory Michener, professor da FGV-Ebape (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas do Rio de Janeiro), diz que, nessa tensão entre o direito de saber que está financiando candidaturas e o direito à privacidade, não é prudente buscar uma solução de transparência total ou de sigilo absoluto. “A solução encontrada no Canadá, por exemplo, é que uma doação acima de C$ 200 [cerca de R$ 800] implica transparência pública. Abaixo dessa quantia, fica privada”, diz Michener. Outra opção, diz ele, é combinar um teto com opções de publicidade: a) transparência de nome; b) transparência de CPF; c) nenhuma transparência. Com isso, os órgãos de controle teriam uma média da transparência entre os partidos e poderiam apertar o cerco sobre aqueles que se desviassem muito do padrão. Ele também fala em transparência voluntária como uma alternativa. “Muitos querem ser reconhecidos por sua doação. Não podemos assumir que todo mundo prefira a privacidade.” O QUE DIZEM AS LEIS Constituição– Protege a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem e os dados pessoais, inclusive nos meios digitais.– Assegura a todos o acesso à informação e estabelece que a publicidade é um dos princípios da administração pública e de qualquer dos Poderes da União, como o Judiciário.Lei Eleitoral (lei 9.504/1997)– Diz que os partidos políticos e os candidatos são obrigados, durante as campanhas eleitorais, prestar