Reverberação da privatização das licitações e contratos da empresa estatal

Relações travadas com terceiros, antes da privatização, devem ser adequadamente endereçadas por estatais Ao deixar de se submeter ao controle estatal a empresa privatizada passa a operar de imediato, total e estritamente, segundo o regime de direito privado. No entanto, na janela temporal situada entre o início e a consumação da privatização, a empresa estatal atua sem restrições, dando regular andamento aos seus negócios e gerando legítimas expectativas e direitos vinculados às relações contratuais já estabelecidas, ou potenciais, decorrentes de licitações concluídas, ou ainda em curso no momento da transição público-privada. As relações travadas no hiato de tempo entre o início e a conclusão do processo de privatização devem ter tratamento adequado a partir do day after à liquidação, quando seus destinos se deslocam para a esfera decisória, de gestão, e jurídica, estritamente privada. Isto porque, objetivamente, a privatização se consuma no ato de liquidação, com a transferência das ações da propriedade pública para aquela privada, delimitando o marco do afastamento do ente público da posição de controlador, e da perda pela companhia da condição de sociedade de economia mista. Os contratos em execução ao tempo da privatização permanecem válidos sob a regência do Direito Privado e poderão ser alterados para refletir possíveis renegociações do interesse mútuo das partes (arts. 68 e 72 da Lei 13.303/2016). Alternativamente, estes contratos podem ser rescindidos, amigavelmente ou unilateralmente, neste último caso, mediante pagamento das pertinentes indenizações. Atente-se para a absoluta intolerância ao escamoteamento do regime privado nestes contratos. Estas relações não comportam qualquer margem para sua mitigação. Eventuais disposições contratuais que transponham estes limites devem ser reputadas não escritas, independentemente de alteração formal. Quaisquer práticas que excedam as cercanias do Direito Privado devem ser repudiadas com base na ausência de fundamento legal e constitucional para o exercício de prerrogativas públicas por empresas privadas – interditadas –, por sinal, embora não sem distorções na prática, às próprias estatais. Quanto às licitações em curso, aquelas com objeto adjudicado e resultado homologado antes de consumada a privatização devem ter seus contratos aperfeiçoados, sob pena de indenização ao adjudicatário pelas perdas e danos e lucros cessantes. A adjudicação é o ato pelo qual o objeto da licitação é atribuído ao licitante vencedor para contratação. Com a homologação, a autoridade reconhece a correção dos atos praticados na licitação, em relação à lei e ao edital, e ratifica a legalidade de todo o procedimento. O conteúdo e os efeitos decorrentes destes atos de encerramento do certame indicam que o processo seletivo teve desfecho positivo em relação aos seus objetivos, tendo alcançado sua finalidade da obtenção de resultado válido em favor de determinado proponente, e que está apto a gerar a contratação. As licitações que, no momento da privatização, se encontrem com estes atos expedidos devem ter seus efeitos reconhecidos e implementados, em especial no que tange à obrigação da empresa de formalizar o contrato com o adjudicatário. Ao contrário do que se observava no sistema tradicional das contratações públicas, na Lei das Estatais o adjudicatário de licitação homologada tem direito subjetivo público à contratação, e não mera expectativa (art. 60 da Lei 13.303/2016). Não fosse por isso, o princípio da boa-fé impediria qualquer alegação no sentido de que, em sua nova condição, a empresa privatizada estaria desvinculada dos efeitos dos atos constitutivos de direitos a terceiros praticados pela estatal em momento anterior à privatização, ao tempo em que a empresa ainda se submetida à Lei 13.303/2016. Os efeitos obrigacionais decorrentes de quaisquer atos jurídicos perfeitos praticados pela estatal devem ser honrados em toda a sua latitude. Por outro lado, enquanto segundo a Lei 8.666/1993, a recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato caracterizava o descumprimento total da obrigação, sujeitando-o às penalidades estabelecidas e à perda da garantia de proposta, a Lei das Estatais impõe ao adjudicatário omisso a esse propósito tão somente os efeitos da decadência ao direito de contratação. Nas empresas estatais a recusa injustificada de assinar o contrato não tem a mesma densidade jurídica, pois a lei se limita a reconhecer sua decadência, autorizando a convocação dos licitantes remanescentes para contratar, em igual prazo e nas mesmas condições do vencedor; ou a revogar a licitação (art. 75, § 2º, I e II). Mesmo que assim não fosse, ou seja, ainda que o sancionamento fosse alternativa para a recusa do adjudicatário de assinar o contrato, como anotado, a empresa privatizada careceria de legitimidade para exercer competência desta natureza. De toda forma, caso a empresa privatizada opte por não aproveitar o resultado da licitação homologada, preferindo buscar terceiros estranhos àquele processo para negociar e contratar, poderá revogar o procedimento, deixando assim de contratar o adjudicatário, que nesse caso fará jus à indenização pelas perdas e danos e lucros cessantes. Por fim, há também as licitações em curso ao tempo da privatização, em fase incipiente, com propostas apresentadas e vencedores identificados, ou não. Sobre estes processos a empresa privatizada terá irrestrita gestão, podendo, a seu exclusivo critério, encerrá-los, sem qualquer aproveitamento de conteúdo, e sem ônus, exceto quanto às providências formais de devolução de documentos, das garantias de propostas e correlatas. Ou aproveitá-los, total ou parcialmente, a partir da fase em que se encontrem, informando os participantes das condições para tanto. Portanto, as licitações iniciadas pela estatal, que ao tempo da privatização não tenham sido homologadas – ainda que com propostas apresentadas, disputa encerrada, vencedor identificado e objeto adjudicado – não vinculam a empresa, que delas poderá dispor conforme sua conveniência. O aproveitamento destes processos estará sujeito a condições circunstanciais no que se refere ao seu estado na fase em que se encontrem ao tempo em que consumada a privatização, porque, conforme o caso, a reformulação das bases da disputa ou da contratação pode já não ser viável sem que se altere substancialmente a configuração do julgamento efetivado a partir das propostas apresentadas, norteadas pelas regras originalmente postas. Caberá à empresa avaliar, diante da realidade, as vantagens de prosseguir, e em que termos, informando os participantes a propósito da manutenção das regras, ou das inovações pretendidas, e consultando-lhes sobre seu interesse em manter suas propostas,
Acordo sobre cibersegurança vai ter agência estatal com parceria privada

O Fórum Econômico Mundial (WEF, sigla em inglês) identifica a segurança cibernética como um dos 10 principais riscos globais (setor público e setor privado). Os ataques cibernéticos dobraram globalmente desde a pandemia. Os ataques estão se tornando cada vez mais sofisticados. O custo médio de uma violação de dados para uma instituição governamental em 2020 foi de US$ 4,441 milhões (aproxmadamente R$ 24 milhões). O Brasil tem um alto nível de digitalização, mas precisa amadurecer em segurança cibernética. Esses são alguns dos dados apresentados pelos participantes de uma audiência pública sobre os riscos internacionais à segurança digital, promovida pela Subcomissão Permanente de Defesa Cibernética. A subcomissão, que funciona no âmbito da comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), foi criada por iniciativa do senador Esperidião Amin (PP-SC) para acompanhar a política pública relacionada à defesa cibernética e sugerir propostas. Para Amin, o Brasil já está atrasado em relação a esse tema e é necessário que o Executivo conduza ações para prevenir e combater os riscos de ataques que podem afetar os bancos, o sistema financeiro, o sistema de infraestrutura como logística, hidrelétricas e energia, entre outros alvos potenciais. Amin defende a criação de uma agência governamental, e o compartilhamento de experiências. — Isso é uma coisa muito séria, trata-se de quase 14% de prejuízo que os países estão tendo no mundo, e o Brasil faz parte do mundo e desses países, prejuízo à economia, sem contar os transtornos que podem acontecer no sistema de saúde, por exemplo. A Inglaterra já foi alvo disso. E outros países também já foram alvo, tanto no sistema de educação, como em infraestrutura e logística. Este é o nosso aprendizado e pretendemos, até o fim do ano, ter a política pública brasileira avaliada e a proposta apresentada. Governança Santiago Paz, especialista setorial em Segurança Cibernética, destacou o papel da governança nacional e a contribuição de Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e de agências de países da América Latina, dos Estados Unidos e da Europa. Nesse sentido, Santiago apontou o IFX, um provedor de serviços de nuvem com atividades em mais de 17 países latino-americanos. Ele também citou a NIS2, a normativa europeia de cibersegurança, que começou no fim de 2022 e tem que ser adotada agora, neste ano, por todos os países da Europa. Além de mencionar as boas experiências desenvolvidas na Austrália e em Israel. Entre as ações de países com maturidade nessa área, o especialista apontou que a maioria das estratégias mais modernas consideram a segurança cibernética como um habilitador para a prosperidade econômica, parcerias público-privadas como um ponto-chave, a promoção do setor local, e a cooperação internacional. — A Europa começou criando um centro de resposta para governo, um centro de resposta de internet, muito parecido com o Brasil, especializado na parte de saúde, setor financeiro — sempre foi muito líder nessa área de segurança — e uma vez que criaram todos os desenvolvimentos necessários, encontraram os problemas de governança. É uma primeira fase, com foco no modelo institucional e desenvolvimento no modelo de governança, a partir da capacidade normativa, dos padrões técnicos, e um ponto muito importante é o fortalecimento do capital humano. Ameaça Jorge Blanco, diretor de Segurança da Informação (Ciso) e representante do Google, alertou no debate que o status do Brasil como um poder global de influência, e a maior economia da América do Sul, trouxeram a atenção de ciberespiões. — Na medida que o Brasil continua a crescer em significância econômica e geopolítica, vai permanecer um alvo para vários atores com diversas motivações. Esse cenário é uma arena complexa, desenvolvida e expandida ao longo dos anos pela convergência de ameaças globais e locais. De acordo com Blanco, para salvaguardar as empresas e os usuários brasileiros, é importante ter uma tendência proativa para a segurança digital. Ele relembrou o ataque cibernético ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em novembro de 2022, e recomendou planos coordenados de forma centralizada, além de investimento em profissionais e em educação de cibersegurança. — A Google oferece nossos princípios centrais e recomendações para todas as organizações, incluindo governos, para desenvolver uma postura robusta seguindo os princípios que nós também tomamos para a segurança interna. O primeiro passo é criar uma estratégia de cibersegurança. Quase todo mundo usa a internet e tecnologia para se comunicar, fazer negócios e aprender. E, se não me engano, no Brasil, estamos falando de 150 milhões de usuários de internet. O governo tem a obrigação de aumentar a conscientização do público, campanhas públicas para empoderar seus cidadãos e serviços providos por agências de cibersegurança. Na medida que vocês constroem seu programa de cibersegurança, haverá oportunidades para regular. Padrão Rafael Gonçalves, representante de Trellix, empresa privada de segurança cibernética, apresentou como maior desafio para as empresas o alto volume de eventos e a escassez de pessoas. Somando a isso a falta de mão de obra qualificada. O executivo ilustrou o problema com um estudo da PUC Campinas demonstrando que há um déficit de 500 mil pessoas capacitadas em tecnologia, das quais 140 mil, ou boa parte disso, são necessárias em cibersegurança. Segundo ele, é necessária não só a integração de múltiplos sistemas, mas interconectar qualquer um deles, independentemente da plataforma ou do fabricante dessa tecnologia. — [Essa é] A importância da criação de uma agência que possa olhar para a sibersegurança, coordenar, padronizar, eu diria que ela é indispensável e urgente. A gente percebe uma falta de padrão, muitas vezes uma falta de priorização naquilo que seria o processo básico de padronização e proteção das empresas, não somente do setor público, muitas empresas do setor privado sofrem do mesmo problema, talvez até uma situação cultural que a gente percebe diluída, mediante a ocorrência de uma situação, de uma ocorrência de um incidente cibernético. No mesmo sentido, o senador Sérgio Moro (União-PR) ressaltou o desafio da criação de um órgão que possa lidar com diferentes demandas específicas, como a Segurança Nacional. — Eu creio que não existe aí uma controvérsia sobre a oportunidade, a necessidade de criação