Luta de libertação da Guiné-Bissau transformou a maneira da política mundial

Um movimento liderado por Amílcar Cabral lutou contra o domínio português na Guiné-Bissau e conquistou a independência contrariando quase todas as probabilidades. Também contribuiu para o fim do domínio dos colonos brancos na África do Sul e para a revolução democrática em Portugal. Hoje, os relatos da mídia ocidental frequentemente apresentam a Guiné-Bissau como um “estado falido” com uma “narcoeconomia”. Esses rótulos depreciativos retiram o país de seu contexto no sistema econômico global e apagam o legado do colonialismo europeu e da Guerra Fria, dando a falsa impressão de que seus problemas são autogerados. Ao olhar para as dimensões internacionais da história da Guiné-Bissau, podemos combater tais visões enganosas e lançar luz sobre uma revolução anti-imperialista que teve um grande impacto, muito além deste território relativamente pequeno da África Ocidental. A luta revolucionária lançada pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) não levou apenas à independência da própria Guiné-Bissau. Também fez uma contribuição vital para o fim do colonialismo português em toda a África e a queda da própria ditadura há muito entrincheirada de Portugal. Isso, por sua vez, teve consequências decisivas para a chegada da democracia na Espanha e na África do Sul. Esses dois países, com uma população combinada de bem mais de cem milhões de pessoas, têm hoje uma dívida considerável com a Guiné-Bissau, que tem uma população de dois milhões. Rotular a Guiné-Bissau como um “estado falido” apaga a contribuição descomunal que ela fez para o mundo moderno. Cabral e o PAIGC Amílcar Cabral foi o líder fundador do PAIGC, que travou uma bem-sucedida guerra de guerrilha contra o domínio português entre 1963 e 1974. Nascido em 1924, Cabral se destacou como um aluno brilhante e foi um dos poucos africanos a frequentar a universidade em Portugal, onde se formou como agrônomo. As autoridades portuguesas esperavam que homens como Cabral servissem como administradores coloniais juniores, facilitando a exploração de seu próprio povo. Mas ele usou seu tempo em Portugal para forjar laços com estudantes de outras colônias africanas, como Angola e Moçambique, alguns dos quais iriam desempenhar papéis de liderança em seus próprios movimentos de independência. Ele também fez contato com as correntes de oposição de esquerda de Portugal, mais notavelmente o Partido Comunista Português. Após um massacre de estivadores em greve pelas forças de segurança portuguesas, Amílcar Cabral e seus camaradas decidiram que a resistência não violenta não era mais suficiente. Ao retornar à Guiné-Bissau, Cabral foi oficialmente contratado para realizar um levantamento agrícola do país para o estado português. No entanto, ele usou a pesquisa como uma oportunidade para aprender sobre as condições sociais e geográficas em diferentes regiões — uma base de conhecimento que era essencial para a luta que se aproximava. Cabral e seus camaradas estabeleceram o PAIGC e, após um massacre de trabalhadores portuários em greve pelas forças de segurança portuguesas no porto de Bissau em 1959, eles decidiram que a resistência não violenta não era mais suficiente e começaram a se preparar para uma guerra de guerrilha contra o governo português. O momento anticolonial As lutas de libertação anticolonial na África e na Ásia moldaram profundamente a história global do século XX. Os movimentos de libertação do Sul Global desempenharam um papel fundamental no surgimento de uma nova ordem mundial. Eles também empoderaram os povos colonizados e levaram à ascensão de novos Estados pós-coloniais em fóruns internacionais. Em seus escritos e discursos, Cabral enfatizou a importância da luta contra a dominação colonial para a política mundial: A luta do povo pela libertação nacional e independência do governo imperialista tornou-se uma força motriz do progresso da humanidade. Sem dúvida, constitui uma das características essenciais da história contemporânea. Embora tenham definido seu objetivo como autodeterminação nacional, devemos entender esses movimentos em termos de uma perspectiva global mais inclusiva, levando em conta todas as conexões e interações que os moldaram nos níveis local, regional e internacional. As lutas de libertação anticolonial na África e na Ásia moldaram profundamente a história global do século XX. O projeto de libertação do PAICG foi além das preocupações nacionalistas. Ele se identificou como um partido revolucionário que estava trabalhando para a criação de uma nova sociedade, começando com a organização de um novo sistema educacional, economia e estrutura de provisão de saúde nas chamadas áreas libertadas da Guiné-Bissau (as áreas que não estavam mais sob controle português). O PAIGC lutava pela independência não de uma, mas de duas colônias: Guiné-Bissau no continente da África Ocidental e o arquipélago de Cabo Verde. Cabral argumentou que qualquer projeto de libertação que não abrangesse essas ilhas prejudicaria a luta pela independência guineense, já que Portugal e seus aliados poderiam usar Cabo Verde como uma base de apoio militar para lançar uma contraofensiva. O próprio Cabral nasceu na Guiné-Bissau, filho de pais cabo-verdianos. Ele também fundamentou o projeto unitário e binacional do PAIGC em fatores culturais e históricos. Desde o início da colonização portuguesa, de 1462 em diante, os colonizadores povoaram Cabo Verde com povos escravizados da costa africana da Guiné. Isso significava que seus povos compartilhavam origens comuns. Na prática, a guerra de independência só ocorreu no território da Guiné-Bissau, pois o PAIGC achou muito desafiador lançar uma insurgência em Cabo Verde. No entanto, o movimento de libertação também incluiu guerrilheiros cabo-verdianos. Portugal e o sistema mundial Desde o início da década de 1960, o PAIGC fez campanha no cenário internacional contra o colonialismo português, procurando o apoio de governos e também de aliados não estatais. A ditadura portuguesa, cujas origens remontavam ao fascismo europeu do entre guerras, estava agora firmemente integrada ao bloco ocidental liderado pelos EUA durante a Guerra Fria, e tinha sido um membro fundador da OTAN. Rejeitou sistematicamente quaisquer exigências de independência e travou guerras prolongadas em três de suas colônias africanas: Angola (a partir de 1961), Guiné-Bissau (a partir de 1963) e Moçambique (a partir de 1964). O PAIGC desenvolveu redes com os movimentos de libertação das outras colônias portuguesas, a FRELIMO de Moçambique e o MPLA em Angola. Também